Estupefato diante daquela aparição, Daniel não reage de acordo com seus pensamentos. Ele somente se recosta na janela, seu corpo estremeceu. “Quantos são os loucos neste hospital?”, pensou ele. O homem que acabara de chegar, sendo melhor analisado agora, estava vestindo uma calça jeans, uma blusa regata negra e portando uma jaqueta também feita de jeans. Seus longos cabelos negros caiam por seus ombros atingindo o segundo terço de seu dorso. A barba por fazer, detalhada pelo alto relevo do cavanhaque, transparecia certo desleixo enquanto seu porte físico bem desenvolvido causava um pouco de medo. Em suas costas encontrava-se uma mochila de material sintético, aspecto bem surrado e completamente coberta por algumas escrituras estranhos. Este homem estava sério como se anunciasse uma morte, continuando a falar num tom bruto, porém moderado em sua transmissão:
- Anjo Daniel, está exatamente onde me disseram. Agora, precisamos sair daqui. Notei que há um demônio nas redondezas e acredito que ele está lhe procurando.
Ainda sem entender nada, Daniel somente afirma com a cabeça. Agora ele não estava ligando para o que aconteceria, já estavam convencendo-o de que era um anjo. Porém, o que lhe causava mais incômodo, era como se sentia à vontade na presença deste estranho. Completamente inverso à presença de Azazel. Daniel diz:
- Ahnnn... vamos. Mas gostaria de receber uma explicação mais detalhada do que aquele demônio me deu.
O homem arregala os olhos e então diz:
- Algum demônio veio até você?
Daniel responde:
- Sim. Ele dizia ser Azazel.
Novamente uma expressão de espanto, porém agora muito maior.
- Como?! Azazel? Errr... vamos logo então. A coisa vai ficar feia por aqui.
Sem esperar por Daniel, o homem começa a abrir sua mochila e retirar uma muda de roupa. Ele oferta-a para o jovem anjo jogando-as sobre sua cama. Logo em seguida, segue para a janela e olha atentamente toda a redondeza. Pensativo, volta à mochila e pega uma bússola para analisar os pontos cardeais. Em poucos segundos, enquanto Daniel ainda caminhava na direção da cama para pegar a roupa, ele encontra o que procurava e diz:
- Temos que sair logo. O lugar está sendo cercado. Acredito que teremos um confronto. O pior é que esta chuva não vai ajudar.
Daniel se assusta. Confronto não era uma palavra de seu agrado. Ele logo se presta a vestir-se rapidamente e então estar tão longe daquele lugar quanto queria. Assim que termina, acena para aquele homem confirmando que está pronto e começa a se dirigir à porta do quarto. Para sua surpresa o homem diz:
- Sei que não é hora, mas esqueci de me apresentar... sou Raziel. Acredito que ainda não se lembre de mim...
Daniel olha surpreso. Não lembrava-se mesmo, mas também nada diz. Raziel decide tomar logo o rumo da saída para que não fossem pegos ainda no quarto. Ele acreditava que alguns lacaios estavam prestes a chegar. Tão logo eles começam a sair, Daniel começa a cometer os primeiros deslizes.
Quando Raziel sai do quarto, ele dirige-se para as escadas de emergência do hospital enquanto Daniel, distraído, segue para o elevador. Raziel percebe e volta para pegar o amigo pelo braço e adverte-lo:
- Não. Pelas escadas... logo vai entender o por quê. Não podemos dar moles para essas sombras enquanto você está nesta forma.
Mesmo sem entender, Daniel o segue. Após descer dois lances de escada, chegando ao térreo, a Luz do lugar pisca três vezes. Raziel sorri e então diz:
- Primeiro sinal de espíritos malignos. Suas auras de maldade afetam a energia elétrica. Poderíamos estar presos no elevador agora.
Raziel mal termina de falar e então a luz se vai. Seu pensamento vai longe e então retorna. Ele olha para Daniel e diz:
- São muitos. Não achei que você fosse ser tão cobiçado assim...
Os dois continuam seu trajeto, apertando o passo para sair logo do lugar. Rapidamente chegam à saída e lá novamente Raziel olha em sua bússola e nota que ela está completamente maluca. Sorrindo ele diz:
- É... acredito que não dê para fugir. Agora, só uma ajuda dos céus poderá tirar-nos daqui.
Daniel não gosta do comentário de Raziel, dado que ele é um anjo, ou pelo menos é o que dizem tanto a ele. Então, assustado, ele busca aos arredores essas coisas que aquele homem dizia estar chegando. Não vê nada além do normal, pessoas indo e vindo, tentando fugir da chuva. Os céus trovejam e então Raziel deixa escapar um som similar ao rosnar de animais. Ele vira-se para Daniel e diz:
- Eles estão por aqui... em toda parte. São Daevas... seres invocados diretamente do inferno. Você não poderá enxergá-los com esses olhos. Será uma luta difícil, ainda por que não podemos revelar nossa aura angelical aos seres humanos...
Daniel se espanta por saber que Raziel também é um anjo. Logo ele pergunta:
- Se você também é um anjo... por quê não percebeu que Azazel estava no Hospital?
Raziel sorri e então diz:
- Azazel não estava em seu corpo verdadeiro, assim como eu não estou. Ao possuir um corpo humano, nós usamos muito do nosso espírito e para quem não está acostuma, que é o meu caso, acabamos perdendo parte dos nossos dons angelicais. Mas cara, isso não é conversa para um momento como esse... precisamos voar, a chuva vai nos ocultar por algum tempo. Vamos para lá...
Raziel aponta para um dos morros que ficava no meio da grande alameda, seguindo na direção do Horto. Antes mesmo que Daniel indagasse-o de como eles “voariam”, este é tragado pelo bater de asas do anjo Raziel. Asas essas que não eram vistas à olhos mortais. As sombras que rondavam eles dois, começaram a se mover de forma ofensiva, tentando atacá-los mesmo no ar, sem sucesso. Eles dois sobrevoavam um morro repleto de casas que sofriam com a chuva quando foram surpreendidos por um “golpe de vento”. Algo muito maior do que o bater de asas de Raziel atinge eles dois jogando-os contra o solo barrento. O impacto é tão grande que Daniel quebra um braço, mesmo sendo completamente coberto por Raziel em sua tentativa de protegê-lo. Não dura muito tempo até as casas começarem a deslizar carregando junto consigo uma imensidão de lama e lixo. O impacto dos dois causa um pequena explosão e tudo ao redor começa a ceder. Não imaginando a imensidão do desastre, Daniel usa suas ultimas formas para olhar para cima e ver o que os atingiu. Uma forma demoníaca surge diante deles, com um aspecto onipotente. Longas asas de morcego, pele esticada como se estivesse queimada, um par de chifres brutos e uma calda longa. Um demônio de grande porte sobrevoava eles com um machado de ossos nas mãos. Este mesmo diz:
- Hahahahah! Estou faminto... acredite se quiser, mas tenho dois “franguinhos” aqui para enganar a fome!
Raziel segura o braço de Daniel e diz:
- Você deve fugir... este é Astaroth, um Grão Duque do Inferno.