Daniel respirava ofegante, a raiva havia subido sua cabeça. Um sentimento destes não o levaria a lugar algum, mas mesmo assim não foi medido nenhum esforço para refreá-lo. De forma completamente inversa, Azazel se mantinha calmo, desviava o olhar sem medo e ainda ignorava o acesso do jovem. Um longo silêncio se manteve por tempo suficiente para Daniel começar a se acalmar. Mil coisas em sua mente, muitas verdades haviam se quebrado enquanto muitas mentiras haviam se revelado. Ele estava confuso, completamente perdido, e talvez por esses motivos, ele segue o pedido do demônio e senta-se. O calor que seu corpo fazia-se passar de ira ainda se mantinha, porém agora mais atento aos passos e gestos do infernal que estava à sua frente. Este por sua vez diz:
- Daniel, eu tinha muitas coisas para conversar contigo, mas percebo que não adianta falar nada. Sua mente ainda está presa à ignorância humana... percebo agora que vim aqui perder o meu tempo. Afinal, me dá pena acabar com sua existência sabendo que você não se lembra nem o motivo de sua queda... muito menos que é um anjo. Sabe, você não me serve nem de lacaio...
Daniel perde completamente a noção de real e de surreal. “Anjo?”, “Ele?”. Diversas questões surgem como milho a estourar numa panela quente recoberta de óleo. Não satisfeito com as palavras de Azazel, ele pergunta:
- Você está dizendo que eu sou um Anjo? Que anjos e demônios existem?
No fundo o jovem sabia a resposta daquela pergunta, mas queria ouvir o que o inimigo alegaria. Não sabia o que pensar, não imaginava o que poderia fazer e o que era. Só queria respostas. Azazel, por sua vez, diz:
- Não. Você já foi um anjo... agora está preso em um corpo humano. Caiu, foi banido do Éden... Para ser sincero, eu também fui... porém fui jogado diretamente no Seol e agora que consegui fugir, estou semeando a discórdia neste mundo caótico. A Humanidade foi abandonada por seu criador, afinal, quando o gato sai, o rato faz a festa.
Toda aquela conversa ainda era demasiadamente confusa para Daniel, que se perdendo em sua confusão decide não perguntar nada além do que já tinha feito. Tudo o que pensava, tudo o que vivia, tudo... tudo era mentira. Ele não tinha uma vida humana, ele não tinha uma família preocupada com o sumiço de um desmemoriado. Ele só tinha a si mesmo agora que estava aqui no mundo entre o céu e o inferno. Não sabia nem o que faria quando saísse do hospital, se isso acontecesse. Azazel se adianta e começa a falar:
- Bem, acredito que esteja querendo descansar, voltar à sua rotina infeliz de ser humano. Então vou me retirar... meu tempo vale muito para que eu desperdice com você, já que se torna cansativo possuir um corpo por muito tempo... ainda mais um corpo imundo como esse. A única coisa que me mantém aqui ainda é o carga de pecados que este homem já praticou. E você o perdoou... Hahahaha!
Daniel abaixa a cabeça e então diz:
-Sim, e perdoarei novamente se precisar. Ele é um ser humano, não é um boneco do inferno.
Azazel sorri maldosamente, suas palavras saem sutilmente:
- Realmente não entendo quanta compaixão existe em você. Por quê disso? Ele roubou-lhe o que conquistou com esforço e dedicação. Eu no seu caso, mataria este infeliz.
Daniel ergue a cabeça e quase ilumina o lugar com sua sinceridade:
- Não importa o que ele fez. Não sou digno de julgá-lo. Mas sou de perdoar quando o material furtado era meu.
Azazel dá de ombros. Neste momento lembra-se que estava de saída e despede-se:
- Bem, tenho mais o que fazer do que ouvir essa balela. Não agüento mais esse papo, já não curto desde que fui empurrado do Empíreo.
Daniel tenta levantar-se enquanto o demônio somente o observa. Ao erguer-se mantendo os pés firmes no chão gelado do hospital, o jovem diz:
- Pode ser que o que você disse seja verdade, e eu seja um anjo. Mas creio que não sou o que diz. Não sou puro, não sou espiritual e nem possuo a capacidade que os anjos de Deus possuem.
O demônio prende a risada e começa a caminhar para fora do local. Da porta ele diz:
- Verdade. Sou muito mais forte, sou muito mais evoluído e possuo todo o conhecimento que este mundo pode suportar. Enquanto você é um monte de carne sem memória. Tente sobreviver neste mundo enquanto ele ainda não é meu.
Daniel abaixa a cabeça e então o demônio deixa o lugar. Mesmo não compreendendo sua missão neste mundo, sua falta de memória e as relações do que Azazel disse com o conhecimento limitado que tinha, Daniel não deixa de acreditar que era humano. Ele respira fundo, segue até a janela e olha para fora tentando localizar-se. Sua visão alcança uma cena que lhe era familiar, mas que não lhe agrada. Este encontrava-se em um município vizinho ao que morava, em um hospital particular que provavelmente irá cobrar-lhe pelos serviços médicos prestados e em meio à aquele caos da ultima chuva. A pista molhada lhe arranca lembranças da fatídica noite em que saiu de casa para auxiliar seus amigos de rua. Ele pára pensativo. Estava na hora de recomeçar, mais uma vez.
Seus pensamentos são interrompidos pelo som da porta sendo aberta por um forte golpe que fez com que ela colidisse contra a parede em que estava presa. Daniel olha para trás e nota um homem de cabelos longos e de barba curta por fazer, roupas folgadas e urbanas, porte médio-grande e físico desenvolvido. Ele olhava com espanto para o jovem assustado enquanto dizia:
- Acredito que agora eu tenha te achado anjo Daniel.
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