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  • A morte não fecha o círculo da vida, somente renova-o...
  • Um anjo, assim como um ser humano, possui livre arbítrio... porém seu custo sempre será mais caro.
  • O amor é o oposto do ódio, mas nada impede que um gere o outro...
  • O ódio consome o ser, enlouquece e cega ao ponto de não se saber mais o que se está fazendo.
  • Cair é a consequência de se trair aos teus próprios pilares.
  • O mundo muda de acordo com o pensamento das pessoas...
  • No fundo, todos queremos ver o pôr-do-sol.
  • Um anjo pode amar?.
  • Mesmo obscurecido, não perdeis à fé em teu Criador.
  • Redenção... um árduo caminho a se seguir.
  • Ao cair o anjo pode redimir-se ou tornar-se o pior dos demônios.
  • A Estrala da Manhã nunca optou pela redenção.
  • Para os Homens, os sentimentos pesam muito em sua escolhas.
  • Os anjos não possuem sentimentos como os dos Homens.
  • A maioria somente sabe o que é vida ou morte. Anjos não possuem sentimentos, seguem ordens.
  • Porém, anjos também possuem coração.

Resumo do Conto

     Desperto em um corpo humano no mundo corrompido que ele acredita ter sido esquecido por Deus, Daniel busca por um meio de retornar à graça divina e readquirir suas asas e sua aura angelical. Após cair e perder sua memória ele caminha buscando respostas.
     Unindo-se a um grupo liderado por outro Anjo, Daniel aprende os valores mortais e acaba descobrindo os motivos do Altíssimo para colocá-los sempre à frente da raça perfeita: seus Anjos.
     Romance, Aventura, Suspense... Elementos que farão parte da nova vida de Daniel, pós-queda. Um Imortal em um corpo Mortal. A Ultima Sombra de esperança Pré-Apocalíptica.

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Capítulo 4 – A Gula e a Temperança

Estupefato diante daquela aparição, Daniel não reage de acordo com seus pensamentos. Ele somente se recosta na janela, seu corpo estremeceu. “Quantos são os loucos neste hospital?”, pensou ele. O homem que acabara de chegar, sendo melhor analisado agora, estava vestindo uma calça jeans, uma blusa regata negra e portando uma jaqueta também feita de jeans. Seus longos cabelos negros caiam por seus ombros atingindo o segundo terço de seu dorso. A barba por fazer, detalhada pelo alto relevo do cavanhaque, transparecia certo desleixo enquanto seu porte físico bem desenvolvido causava um pouco de medo. Em suas costas encontrava-se uma mochila de material sintético, aspecto bem surrado e completamente coberta por algumas escrituras estranhos. Este homem estava sério como se anunciasse uma morte, continuando a falar num tom bruto, porém moderado em sua transmissão:

- Anjo Daniel, está exatamente onde me disseram. Agora, precisamos sair daqui. Notei que há um demônio nas redondezas e acredito que ele está lhe procurando.

Ainda sem entender nada, Daniel somente afirma com a cabeça. Agora ele não estava ligando para o que aconteceria, já estavam convencendo-o de que era um anjo. Porém, o que lhe causava mais incômodo, era como se sentia à vontade na presença deste estranho. Completamente inverso à presença de Azazel. Daniel diz:

- Ahnnn... vamos. Mas gostaria de receber uma explicação mais detalhada do que aquele demônio me deu.

O homem arregala os olhos e então diz:

- Algum demônio veio até você?

Daniel responde:

- Sim. Ele dizia ser Azazel.

Novamente uma expressão de espanto, porém agora muito maior.

- Como?! Azazel? Errr... vamos logo então. A coisa vai ficar feia por aqui.

Sem esperar por Daniel, o homem começa a abrir sua mochila e retirar uma muda de roupa. Ele oferta-a para o jovem anjo jogando-as sobre sua cama. Logo em seguida, segue para a janela e olha atentamente toda a redondeza. Pensativo, volta à mochila e pega uma bússola para analisar os pontos cardeais. Em poucos segundos, enquanto Daniel ainda caminhava na direção da cama para pegar a roupa, ele encontra o que procurava e diz:

- Temos que sair logo. O lugar está sendo cercado. Acredito que teremos um confronto. O pior é que esta chuva não vai ajudar.

Daniel se assusta. Confronto não era uma palavra de seu agrado. Ele logo se presta a vestir-se rapidamente e então estar tão longe daquele lugar quanto queria. Assim que termina, acena para aquele homem confirmando que está pronto e começa a se dirigir à porta do quarto. Para sua surpresa o homem diz:

- Sei que não é hora, mas esqueci de me apresentar... sou Raziel. Acredito que ainda não se lembre de mim...

Daniel olha surpreso. Não lembrava-se mesmo, mas também nada diz. Raziel decide tomar logo o rumo da saída para que não fossem pegos ainda no quarto. Ele acreditava que alguns lacaios estavam prestes a chegar. Tão logo eles começam a sair, Daniel começa a cometer os primeiros deslizes.

Quando Raziel sai do quarto, ele dirige-se para as escadas de emergência do hospital enquanto Daniel, distraído, segue para o elevador. Raziel percebe e volta para pegar o amigo pelo braço e adverte-lo:

- Não. Pelas escadas... logo vai entender o por quê. Não podemos dar moles para essas sombras enquanto você está nesta forma.

Mesmo sem entender, Daniel o segue. Após descer dois lances de escada, chegando ao térreo, a Luz do lugar pisca três vezes. Raziel sorri e então diz:

- Primeiro sinal de espíritos malignos. Suas auras de maldade afetam a energia elétrica. Poderíamos estar presos no elevador agora.

Raziel mal termina de falar e então a luz se vai. Seu pensamento vai longe e então retorna. Ele olha para Daniel e diz:

- São muitos. Não achei que você fosse ser tão cobiçado assim...

Os dois continuam seu trajeto, apertando o passo para sair logo do lugar. Rapidamente chegam à saída e lá novamente Raziel olha em sua bússola e nota que ela está completamente maluca. Sorrindo ele diz:

- É... acredito que não dê para fugir. Agora, só uma ajuda dos céus poderá tirar-nos daqui.

Daniel não gosta do comentário de Raziel, dado que ele é um anjo, ou pelo menos é o que dizem tanto a ele. Então, assustado, ele busca aos arredores essas coisas que aquele homem dizia estar chegando. Não vê nada além do normal, pessoas indo e vindo, tentando fugir da chuva. Os céus trovejam e então Raziel deixa escapar um som similar ao rosnar de animais. Ele vira-se para Daniel e diz:

- Eles estão por aqui... em toda parte. São Daevas... seres invocados diretamente do inferno. Você não poderá enxergá-los com esses olhos. Será uma luta difícil, ainda por que não podemos revelar nossa aura angelical aos seres humanos...

Daniel se espanta por saber que Raziel também é um anjo. Logo ele pergunta:

- Se você também é um anjo... por quê não percebeu que Azazel estava no Hospital?

Raziel sorri e então diz:

- Azazel não estava em seu corpo verdadeiro, assim como eu não estou. Ao possuir um corpo humano, nós usamos muito do nosso espírito e para quem não está acostuma, que é o meu caso, acabamos perdendo parte dos nossos dons angelicais. Mas cara, isso não é conversa para um momento como esse... precisamos voar, a chuva vai nos ocultar por algum tempo. Vamos para lá...

Raziel aponta para um dos morros que ficava no meio da grande alameda, seguindo na direção do Horto. Antes mesmo que Daniel indagasse-o de como eles “voariam”, este é tragado pelo bater de asas do anjo Raziel. Asas essas que não eram vistas à olhos mortais. As sombras que rondavam eles dois, começaram a se mover de forma ofensiva, tentando atacá-los mesmo no ar, sem sucesso. Eles dois sobrevoavam um morro repleto de casas que sofriam com a chuva quando foram surpreendidos por um “golpe de vento”. Algo muito maior do que o bater de asas de Raziel atinge eles dois jogando-os contra o solo barrento. O impacto é tão grande que Daniel quebra um braço, mesmo sendo completamente coberto por Raziel em sua tentativa de protegê-lo. Não dura muito tempo até as casas começarem a deslizar carregando junto consigo uma imensidão de lama e lixo. O impacto dos dois causa um pequena explosão e tudo ao redor começa a ceder. Não imaginando a imensidão do desastre, Daniel usa suas ultimas formas para olhar para cima e ver o que os atingiu. Uma forma demoníaca surge diante deles, com um aspecto onipotente. Longas asas de morcego, pele esticada como se estivesse queimada, um par de chifres brutos e uma calda longa. Um demônio de grande porte sobrevoava eles com um machado de ossos nas mãos. Este mesmo diz:

- Hahahahah! Estou faminto... acredite se quiser, mas tenho dois “franguinhos” aqui para enganar a fome!

Raziel segura o braço de Daniel e diz:

- Você deve fugir... este é Astaroth, um Grão Duque do Inferno.

Capítulo 3 – A Humildade e o Orgulho

Daniel respirava ofegante, a raiva havia subido sua cabeça. Um sentimento destes não o levaria a lugar algum, mas mesmo assim não foi medido nenhum esforço para refreá-lo. De forma completamente inversa, Azazel se mantinha calmo, desviava o olhar sem medo e ainda ignorava o acesso do jovem. Um longo silêncio se manteve por tempo suficiente para Daniel começar a se acalmar. Mil coisas em sua mente, muitas verdades haviam se quebrado enquanto muitas mentiras haviam se revelado. Ele estava confuso, completamente perdido, e talvez por esses motivos, ele segue o pedido do demônio e senta-se. O calor que seu corpo fazia-se passar de ira ainda se mantinha, porém agora mais atento aos passos e gestos do infernal que estava à sua frente. Este por sua vez diz:

- Daniel, eu tinha muitas coisas para conversar contigo, mas percebo que não adianta falar nada. Sua mente ainda está presa à ignorância humana... percebo agora que vim aqui perder o meu tempo. Afinal, me dá pena acabar com sua existência sabendo que você não se lembra nem o motivo de sua queda... muito menos que é um anjo. Sabe, você não me serve nem de lacaio...

Daniel perde completamente a noção de real e de surreal. “Anjo?”, “Ele?”. Diversas questões surgem como milho a estourar numa panela quente recoberta de óleo. Não satisfeito com as palavras de Azazel, ele pergunta:

- Você está dizendo que eu sou um Anjo? Que anjos e demônios existem?

No fundo o jovem sabia a resposta daquela pergunta, mas queria ouvir o que o inimigo alegaria. Não sabia o que pensar, não imaginava o que poderia fazer e o que era. Só queria respostas. Azazel, por sua vez, diz:

- Não. Você já foi um anjo... agora está preso em um corpo humano. Caiu, foi banido do Éden... Para ser sincero, eu também fui... porém fui jogado diretamente no Seol e agora que consegui fugir, estou semeando a discórdia neste mundo caótico. A Humanidade foi abandonada por seu criador, afinal, quando o gato sai, o rato faz a festa.

Toda aquela conversa ainda era demasiadamente confusa para Daniel, que se perdendo em sua confusão decide não perguntar nada além do que já tinha feito. Tudo o que pensava, tudo o que vivia, tudo... tudo era mentira. Ele não tinha uma vida humana, ele não tinha uma família preocupada com o sumiço de um desmemoriado. Ele só tinha a si mesmo agora que estava aqui no mundo entre o céu e o inferno. Não sabia nem o que faria quando saísse do hospital, se isso acontecesse. Azazel se adianta e começa a falar:

- Bem, acredito que esteja querendo descansar, voltar à sua rotina infeliz de ser humano. Então vou me retirar... meu tempo vale muito para que eu desperdice com você, já que se torna cansativo possuir um corpo por muito tempo... ainda mais um corpo imundo como esse. A única coisa que me mantém aqui ainda é o carga de pecados que este homem já praticou. E você o perdoou... Hahahaha!

Daniel abaixa a cabeça e então diz:

-Sim, e perdoarei novamente se precisar. Ele é um ser humano, não é um boneco do inferno.

Azazel sorri maldosamente, suas palavras saem sutilmente:

- Realmente não entendo quanta compaixão existe em você. Por quê disso? Ele roubou-lhe o que conquistou com esforço e dedicação. Eu no seu caso, mataria este infeliz.

Daniel ergue a cabeça e quase ilumina o lugar com sua sinceridade:

- Não importa o que ele fez. Não sou digno de julgá-lo. Mas sou de perdoar quando o material furtado era meu.

Azazel dá de ombros. Neste momento lembra-se que estava de saída e despede-se:

- Bem, tenho mais o que fazer do que ouvir essa balela. Não agüento mais esse papo, já não curto desde que fui empurrado do Empíreo.

Daniel tenta levantar-se enquanto o demônio somente o observa. Ao erguer-se mantendo os pés firmes no chão gelado do hospital, o jovem diz:

- Pode ser que o que você disse seja verdade, e eu seja um anjo. Mas creio que não sou o que diz. Não sou puro, não sou espiritual e nem possuo a capacidade que os anjos de Deus possuem.

O demônio prende a risada e começa a caminhar para fora do local. Da porta ele diz:

- Verdade. Sou muito mais forte, sou muito mais evoluído e possuo todo o conhecimento que este mundo pode suportar. Enquanto você é um monte de carne sem memória. Tente sobreviver neste mundo enquanto ele ainda não é meu.

Daniel abaixa a cabeça e então o demônio deixa o lugar. Mesmo não compreendendo sua missão neste mundo, sua falta de memória e as relações do que Azazel disse com o conhecimento limitado que tinha, Daniel não deixa de acreditar que era humano. Ele respira fundo, segue até a janela e olha para fora tentando localizar-se. Sua visão alcança uma cena que lhe era familiar, mas que não lhe agrada. Este encontrava-se em um município vizinho ao que morava, em um hospital particular que provavelmente irá cobrar-lhe pelos serviços médicos prestados e em meio à aquele caos da ultima chuva. A pista molhada lhe arranca lembranças da fatídica noite em que saiu de casa para auxiliar seus amigos de rua. Ele pára pensativo. Estava na hora de recomeçar, mais uma vez.

Seus pensamentos são interrompidos pelo som da porta sendo aberta por um forte golpe que fez com que ela colidisse contra a parede em que estava presa. Daniel olha para trás e nota um homem de cabelos longos e de barba curta por fazer, roupas folgadas e urbanas, porte médio-grande e físico desenvolvido. Ele olhava com espanto para o jovem assustado enquanto dizia:

- Acredito que agora eu tenha te achado anjo Daniel.

Capítulo 2 – A Ira e a Mansidão

Daniel desperta. Seus sentidos estavam tão inebriados que por alguns minutos ele acreditou despertar de um grande porre. Mas então vem o susto seus olhos passam a enxergar uma sala branca, móveis hospitalares e diversos fios e tubos ligando seu corpo a aparelhos eletrônicos. Suas memórias chegam como o impacto de um trem bala e colidem com seu verdadeiro estar. Um susto lhe faz erguer o braço até seu tronco, onde havia sido atingido pela bala, mas nada encontra além de um pequeno emaranhado de costura feito em sua pele. Devido sua falta de reflexos, somente após sua atitude Daniel percebe que acabara de arrancar parte dos fios que ligavam seu braço a um tubo de soro. Logo tenta se acalmar, ele estava um tanto assustado demais para poder pensar direito e passa a respirar fundo. Então olha para a janela a alguns metros de seu lado esquerdo notando que era dia e que ainda chovia bastante. Porém algo lhe incomodava insistentemente, até que se revela uma silhueta na vidraça opaca da porta. Alguém estava a ponto de entrar no quarto.

Uma face conhecida, porém não muito agradável, adentra o local com uma expressão muito confiante. O mesmo bandido que havia atirado em Daniel, que roubava sua casa, agora estava diante dele no hospital. Isso acaba confundindo a cabeça do jovem, fazendo-o pensar até que seria finalizado ali mesmo, logo após ter se recuperado de sua quase morte. Numa tentativa desesperada de socorro, Daniel começa a se levantar, mas o homem lhe interrompe dizendo:

- Calma... eu vim aqui somente pra conversar.

Daniel olha desconfiado para aquele homem. Se não fosse tão racional, teria dito todos aqueles palavrões que surgiram em sua mente. Mas decidiu ver o que aquele homem tinha para dizer, porém se preparando para qualquer imprevisto, logo localizou a campainha que chamava os enfermeiros. Pegou-a disfarçando e prosseguiu com a conversa:

- O que você quer? Se arrependeu dos teus atos...? Viu a que ponto deixou um ser humano? Eu poderia ter morrido!

Após as palavras sinceras de Daniel, aquele homem começa a rir quase gargalhando. Uma forma tão insana de se expressar em uma hora como essas que o jovem enfermo quase pressionou o botão para chamar os médicos. Porém, indignado, Daniel pergunta:

- Que graça há nisso?

Prontamente ele responde enquanto caminha pelo quarto se dirigindo à janela:

- Você ainda não despertou... pensei que já fosse capaz de me ver, mas percebo que ainda é um simples monte de carne.

Assustando-se mais ainda com aquelas palavras, Daniel grita:

- Quem você pensa que é para vir aqui e dizer essas coisas sem noção para mim?

Ele sorri e fulmina o jovem com um olhar amedrontador. O corpo de Daniel gela e seus membros ficam imóveis, mesmo que use de toda a sua vontade para tentar mover-se. Um arrepio frio sobe sua espinha e então ele tenta falar, mas não consegue. Aquele homem começa suas explicações:

- Vocês sempre acham que podem tudo... somente por que obedecem à ele. Mas ouça com atenção: não está mais no Éden... agora as regras são nossas. Os próprios filhos dele decidiram transformar esse lugar no próprio Seol. Mas você nem sabe mesmo do que eu estou falando... seu Criador não teve nem o trabalho de lhe dar o conhecimento que vocês sempre tiveram lá em cima... Hahahaha... que infelicidade.

Daniel começa a sentir-se estranho, começa a repudiar aquele que está parado diante dele. Por algum motivo ele sente um grande nojo daquele ser, sentindo também um estranho cheiro de ódio e rancor. O homem continua a falar:

- Meu nome é Azazel...

As palavras de Azazel se quebram um flash de memória que surge na cabeça de Daniel.

-*-*-*-*-*-*-*-*-FLASH DE MEMÓRIA-*-*-*-*-*-*-*-*-

Sua sala de luz onde havia cinco anjos aguardando por uma resposta. Pouco tempo se passa até que a uma porta se abre e outro anjo surge. Este possuía dois pares de asas e uma aura forte que iluminava mais ainda aquele lugar. Daniel, sentado no canto, olha para Azazel que acabara de entrar com uma expressão não muito agradável. Azazel sorri e diz:

- Amigos, hoje eu forjei uma ótima espada... darei para meu próximo filho.

Um dos anjos presentes se aproxima e diz:

- Irmão Azazel, não acha que está pecando contra as ordens do Senhor quando se relaciona com as filhas das filhas de Eva?

Azazel sorri ganancioso e diz:

- Não escolhi tomá-las... elas me escolheram como esposo. Não estou desobedecendo nenhuma ordem...

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

Quando Azazel percebe que estava falando sozinho enquanto Daniel estava pensativo demais para estar prestando atenção, este fala num tom mais alto:

- Está me ignorando?

Daniel olha fixo para o rosto dele, percebendo já poder se mover normalmente e então diz:

- Você... é um anjo?

Azazel gargalha e responde de forma malévola.

- Um demônio, meu caro Daniel. Você ainda não recuperou todas as suas memórias... mas vou lhe dizer uma coisa: estou aqui exatamente para lhe conceder tudo o que seu Deus nunca poderia lhe entregar! Quer a verdade? Eu poderei revelar-lhe!

Daniel levanta-se arrancando todos os fios que estavam presos em seu corpo e num tom de ira diz:

- Eu nunca irei querer algo de alguém como você! SEU MALDITO!

Azazel sorri e então diz:

- Calma garoto, você tem um corpo humano e eu estou possuindo um. Nosso nível é completamente diferente.

Daniel enfurecido grita de ódio:

- SAIA DA MINHA FRENTE! SUMA DAQUI!

Azazel faz uma expressão cínica e então encosta-se à janela dizendo:

- Pode me fazer sumir se conseguir. Por enquanto, sente e vamos conversar.

Capítulo 1 – A Caridade e a Inveja

Após uma noite de grande trabalho e muita ajuda aos necessitados, Daniel se encontrava como qualquer um que estivesse em seu lugar: completamente acabado. Suas roupas estavam sujas e rasgadas, suas mãos levemente escoriadas e doloridas, seus pés não suportavam mais a dor que sentia, sem falar de suas costas. Mas a alegria de ver o bem das pessoas que pode ajudar e daquelas que conseguiram superar os problemas da chuva enchiam o coração de Daniel. Ele sentia-se melhor com isso, mas não era o suficiente para acabar com sua tristeza em ver que o céu desabou sobre a cidade sem dó nem piedade. Ainda muito triste por não ter encontrado seus amigos, Daniel volta para casa tendo que “nadar” pelas ruas de tanta água que corria por elas.

Ao chegar no prédio, ele percebe que tudo estava quebrado na portaria. Algo muito estranho lhe chama atenção: havia marcas de sangue no chão. Daniel segue cautelosamente pelo corredor do prédio e sobe pelas escadas de emergência. Qualquer que fosse aquele sangue, não era seguro subir pelo elevador. Ele andava tentando fazer o máximo de silêncio possível para não chamar atenção. Andar por andar, verificando o chão, as paredes e o teto. Quando chega em seu andar, logo ele se prontifica a abrir a porta, mas ouve um ruído estranho vindo de trás dela. Colando seu ouvido na porta gelada de metal, ele pode ouvir alguns sons que indicavam movimento. O suor começa a escorrer em sua testa como se seu corpo previsse algo negativo. Não agüentando de ansiedade, munido também de medo, ele somente junta-se mais à porta na tentativa de ouvir algo mais. O som era de móveis arrastando, sendo jogados e quebrando. A primeira coisa que vem à sua mente: “ladrões”!

Daniel adianta-se e abre a porta. Como estava pronto para qualquer imprevisto, ele continuava a se mover em silêncio verificando o lugar. As portas dos apartamentos estavam abertas, algumas por arrombamento, outras sem marcas de violência aparentes. Ele olha atentamente pelo corredor e percebe que a sua porta era a ultima a ser aberta, seguindo a seqüência dos assaltantes e ela já estava arrombada. Daniel não mede esforços e segue na direção da mesma com certa angústia no peito. Ao surgir na porta, logo arranca um susto de um dos comparsas que estava exatamente de vigia. Ele rapidamente puxa uma pistola do bolso e aponta na direção do recém chegado. Num lapso de nervosismo ele grita:

- Mete o pé! Você não viu nada! Ou então eu meto uma balaça na sua lata! Vai ficar com um terceiro olho se der mais um passo...

Daniel, confiante, permaneceu parado e olhando na direção do bandido. Seus olhos se desviam somente quando outro deles aparece e encara-o de forma arrogante. Este outro diz:

- O que você está olhando? Primo, fura essa peneira logo...

Aquele que carregava a arma tremia. O suor corria em seu rosto, da mesma forma que acontecia com Daniel. O silêncio tomou o lugar por algum tempo, até que Daniel decidiu se anunciar:

- Eu sou o dono deste apartamento. Não acredito que em meio ao caos que está lá fora, vocês estejam saqueando casas de trabalhadores... O mundo não está sorrindo, ele está sangrando... e é por causa de homens como vocês que estamos enfrentando toda essa...

Daniel mal termina de falar quando o disparo da pistola faz seguir a bala que atravessa seu corpo. O calor, a dor, o medo. O jovem sente seu corpo tremer, sente seu corpo sangrar. O som da bala atravessando-lhe e sendo aparada pela parede do corredor ecoou por todo o prédio. O portador da pistola arregala os olhos, havia disparado por simples medo, descuido, nervoso.

Daniel leva as mãos ao ferimento. A visão do sangue lhe faz pensar em sua curta vida... afinal, todos os seus aparentes vinte e poucos anos haviam sido apagados e os meses que viveu até agora eram pouco para se fazer lembrar. Um sorriso de canto de boca e então seus músculos tremem. Daniel é levado a cair de joelhos pela fraqueza de seu corpo. O bandido mais irritado vê aquele meio-sorriso e então indaga:

- Tá rindo de quê, Comédia?!

Daniel continua a sorrir, agora mais aparente. Ergue o rosto deixando transparecer sua caridade e então diz:

- Não consigo compreender o motivo de vocês de fazer o que fizeram. De saquear... argh... (cospe sangue) .... de matar... mas mesmo assim... eu os perdôo. O sofrimento que passaram deve ter maltratado vocês o suficiente para que chegassem aonde estão... arghhh...

Daniel sente que algo está muito errado em seu corpo. Sua visão embaça e seus músculos perdem cada vez mais a força. Ele olha para cima mais uma vez e como se orasse ele acrescenta:

- Espero que aprendam algum dia... espero que mudem e que ajudem alguém... pois somente se ajudarem outra pessoa, estarei morrendo por um motivo que me faria feliz.

Daniel tonteia, mas força para ficar acordado. Porém após um urro de raiva, o bandido que havia chegado por ultimo lhe esbofeteia a cara com força e esbraveja:

- Filho da Puta! Não vem com essas babaquices pra cima de mim... vocês playboys sempre tem de tudo, sempre podem tudo, agora não me vem com esse discursinho de merda!

A reação de Daniel é esticar a mão e tocar o peito do assaltante, que se assusta com a reação dele. Em murmúrios ele diz:

- Não... não quis ofender. Arrrghh... (escorre sangue de sua boca)... morei na rua, sei a pressão que se passa... somente escolhi viver. Não gaste sua vida no perigo... não se culpe... está perdoado.

Daniel não resiste e desmaia logo em seguida. Os dois bandidos ficam perplexos com a reação do homem que sangrava no chão. Eles sentiram culpa, eles sentiram inveja daquele homem... mas não por sua condição financeira, que não era uma das melhores, e sim por sua compaixão... por sua caridade. Aquele que esbofeteou Daniel não resiste e sai correndo, afugentado pela realidade. O outro se arremessa ao chão, sentado e pensativo. Deveria fazer alguma coisa, deveria tomar alguma atitude. Mas não estava certo do que fazer, se colocaria sua pele em risco por causa de alguém que nunca viu em sua vida. Vendo o sangue começar a aumentar no chão, ele chega logo à uma conclusão: deveria levá-lo à um hospital e deixá-lo lá. Mas não poderia ser em nenhum lugar próximo, pois poderia trazer os policiais à cena do crime. Então o homem ergue o corpo de Daniel e coloca-o em seus ombros. O sangue vermelho-escarlate mancha sua blusa, mas este não se importa. Ele segue para a garagem do prédio, que ficava no segundo andar e busca um carro grande o suficiente para passar pela rua cheia de água. Um furgão é escolhido e os dois partem desta para outra...

Melhor ou pior... ninguém saberá dizer.

Prólogo - Reconstrução de Vida

“Calor. Dor. Medo...

Os olhos se abrem e é visto aquilo que não se quer ver. O planeta Terra queimava como o Sol. Os demônios saindo por um imenso poço no centro do planeta, os animais e a vegetação morrendo na mesma medida em que os Homens de Deus eram torturados. O terror cobria essa existência com seu manto... os Anjos de Deus não eram vistos, os seus devotos não eram salvos, o fim estava próximo e não há nada o que se fazer...

Mas não poderia terminar assim. O Mundo acabando desta forma, com tanta gente indefesa, com tanta bondade espalhada no mundo, tanta beleza cultivada e criada.

Tentando mover os pés, este anjo percebe que o solo os engoliu com a lava que resfriava. Seu corpo estava alto, acima das nuvens, mas ainda assim seus pés sentiram-se incrustados na rocha vulcânica que cobria e saltava da Terra. De seus olhos correram lágrimas e suas asas se agitaram. Ao seu lado estavam milhares de milhares de anjos que nada faziam além de dar as costas e subir até o Altíssimo. Porém este anjo não poderia abandonar a Humanidade assim, deveria fazer algo. Ele podia sentir isso, como um humano sentia o calor, como os humanos sentiam a dor, como os humanos sentiam o medo.

Com toda a ira deste anjo as rochas vulcânicas que cobriam seus pés se racham e sua aura angelical se expande. Aqueles que davam as costas a Terra se voltam na direção daquele que acabara encontrando a cólera de compaixão. Seus olhos arregalados demonstravam o sofrimento do mundo em um só ser enquanto sua boca emitia um som ensurdecedor para qualquer mortal, mas que nos Jardins de Deus se espalhavam como uma bela e triste música.

Os outros “irmãos” gritavam em canto para que ele não fizesse o que estava para fazer, advertiam-no da desobediência às ordens do Altíssimo, clamavam por sua calma. Mas nada disto adiantou, nada pode segurar aquelas asas de guiar o anjo até os céus da Terra em destruição, até o fim dos dias. Este desceu em grande velocidade chegando a ultrapassar àquela que ele mesmo poderia controlar. Seu corpo iniciara em um processo de combustão, incinerando-se, deteriorando-se, acabando-se. Suas asas queimaram até não existirem mais, sua face deixara de ser tão bela quanto ao normal dos anjos e se assemelhou ao horror dos demônios, assim como sua pele que se rasgava com o calor. Usando suas ultimas forças ele estende uma das mãos até o máximo que consegue na direção da Terra, como se tentasse agarrá-la, mas isso não é o suficiente... seu corpo se desfaz.”


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Daniel desperta de seu terrível pesadelo como se sentisse tudo aquilo que havia visto. Essa não era a primeira vez que havia sonhado com tal anjo, ele tem sido assombrado com este mesmo sonho por diversas vezes desde que encontrou-se desmemoriado e despido em uma lixeira no centro da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. Daniel passa a mão pela testa limpando o suor de seu rosto. Olha ao redor e sorri ao lembrar que estava novamente no mundo “normal”. Ele começa a pensar em tudo o que passou desde que “despertou” naquela lixeira, de como conheceu boas pessoas que lhe deram roupas e alimento, de como conseguiu fazer com que um grupo de mendigos, com quem ele se uniu, para que trabalhassem em conjunto fazendo alguns artesanatos e ganhar algum dinheiro com isso. Daniel estava feliz em ter conseguido arrumar um emprego e se mudar da rua para um pequeno apartamento no início da rua Uruguaiana.

Levantando-se da cama após perder um bom tempo com suas novas lembranças até chegar ao ponto em que elas terminam e um grande vácuo se inicia, ele segue para o banheiro para tomar um banho. Seu corpo trajava somente uma pequena parte de seu vestuário, uma roupa íntima de tecido fino e macio, comprada no dia anterior quando recebeu seu ultimo salário. Ele olha no espelho para ver como estava assustador com aquela cara de sono e espanto. Então começa a lavar-se esfregando os olhos e buscando com a mão sua escova de dente para iniciar sua higienização.

Não demora muito para que Daniel saia de seu banheiro enrolado em uma toalha enquanto pensa em seu trabalho no dia de hoje. Ele estava animado, como todos os dias. Tão logo termina de enxugar-se, ele abre o armário procurando por uma roupa mais social, porém não exageradamente. Logo se veste, não deixando de tirar os olhos do relógio em seu braço para que não se atrase. A blusa branca social, as calças em Oxford azul-marinho, com meias brancas e sapatos pretos. Daniel caminha até o espelho, confere sua aparência e sorri. Ele busca sua carteira e chaves do apartamento. Corre até o pequeno frigobar que substituía a falta de geladeira, abre-o e pega um pequeno achocolatado. Segue até a porta e olha para trás. Sorri novamente e sai conferindo a hora. Estava adiantado em vinte minutos.


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Após um dia de trabalho cansativo, Daniel se preparava para ir para casa quando seu patrão se aproxima e lhe dirige a palavra:


- Daniel, poderia trazer seus documentos à minha mesa amanhã de manhã? Novamente lhe peço isso, se não trouxer, não assino mais a sua admissão e não adianta me implorar depois!


Daniel fica reflexivo, começa a pensar em quanto tempo prorrogou a visita ao fórum onde poderia solicitar seus documentos, que ele acreditava que teria perdido quando perdeu a memória. Porém seu patrão não entende o fato de que dá mais trabalho a ele do que folga para que acerte seus pendentes e por isso, vive lhe cobrando a mesma coisa todo santo dia. Daniel responde:


- Senhor, amanhã eu estarei resolvendo este problema no fórum. Tenho trabalhado bastante e não tenho tido tempo... o fórum fecha antes de terminar meu expediente e então tenho me enrolado para fazer isso.


O patrão olha para Daniel pensativo e então diz:


- Tire a manhã de amanhã para resolver isso. Posso ser multado por não assinar a sua carteira. Depois me agradeça ficando após o horário...


Daniel sorri com o pedido do chefe, afirma com a cabeça e nada diz. Ele olha pela janela e percebe que o tempo está mudando. Algo que não lhe agrada. Após pegar todas as suas coisas, Daniel se despede de seus companheiros de trabalho e então sai do escritório pensado no que faria na manhã do dia seguinte. O caminho até casa era curto, mas se torna longo quando o céu parece desabar em água. Uma forte chuva se inicia e um grande tormento se constrói no centro. Os poucos minutos até Daniel chegar em seu apartamento são suficientes para ele perceber que a rua começa a encher. Enquanto entrava no edifício, ele percebe que seus sapatos estavam com água e seus pés tremiam de frio. O lugar estava com um dedo de água, pois era do mesmo nível da calçada lá fora. Daniel decide subir pelas escadas para não passar por algum perigo no elevador. Tão logo chega em casa, ele começa a ouvir os raios e relâmpagos. Isso tudo trazia uma angústia ao peito de Daniel, que sabia o que era viver na rua e, portanto, sentia a dor de seus amigos que agora deviam estar procurando algum abrigo.

Seu peito doía ao ponto dele ter compaixão suficiente para se arrumar, trocando a roupa do trabalho por colocando algo mais simples e urbano, para ir atrás de seus antigos amigos na intenção de dar abrigo à eles em sua casa. Daniel perde toda a sua noite procurando-os em vão, pois não os encontra em lugar algum. Mas ele presencia o poder da chuva acabar com muitos lugares da cidade e deixar algumas pessoas ilhadas. Para não deixar a noite passar em branco, ele decide ajudar aqueles que percebe que estão precisando de ajuda, presos no carro em um rio que corre por cima das ruas, retirar pessoas de casas onde a água invadiu, auxiliar as pessoas que ficaram presas em um ônibus, entre outras pequenas coisas.

Daniel vê o dia amanhecer e a chuva não cessa. Ele se entristece profundamente por todo o ocorrido. Mas o pior ainda estava por vir...

 

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