Capítulo 18 – O Anjo da Guarda

Ana respirava ofegante, era esperado que sua companheira perdesse completamente o raciocínio, mas ela acreditava que BlackWolf demoraria mais para chegar. Logo Ana puxa suas mangas revelando runas e selos espalhados pelo braço. Não queria usá-las agora, mas deveria tomar alguma atitude senão poderia perecer naquele lugar. Olhando rapidamente por cima do ombro ela tenta localizar Ramon para verificar se ainda respirava, e então nota o movimento de seu peito. Sorrindo ela volta-se para a Fera e começa a recitar as palavras de ativação do selamento que Raziel lhe fez nos braços. BlackWolf fareja suas intenções e então salta sobre ela deferindo um ataque duplo com suas garras. A voracidade que ela usa é muito superior à aquela que partira todos os vampiros da sala anterior.

***

Raziel olha para o lado e percebe que Lúcifer já se foi. O ar gélido que a brisa fazia colidir com a face do Querubim lhe fazia pensar em tudo o que o Imperador do Inferno havia dito. Ele estava temeroso por Daniel acabar caindo nas tentações do rival e por isso não deixava de pensar em tudo o que poderia fazer e queria fazer para impedi-lo de cometer esse ato. Por alguns longos minutos ele ficou refletindo, buscando em sua mente um meio de fazer com que o jovem aprendesse os valores da vida humana. Sem chegar a lugar algum, devido a complexidade da situação, Raziel decide ir de encontro com seus companheiros nas catacumbas. Porém, antes mesmo de ele se concentrar naquele local maculado e abrir uma fenda no tempo e espaço, seu corpo começa a fraquejar e então sua Aura Angelical desaparece. No início ele logo pensa nos Céus e em seu criador, mas logo em seguida ele olha para Paris da vista da Torre Eiffel. Concentrando-se ao máximo, buscando algum resquício de sua Aura Angelical, ele tenta sentir a alma de seus companheiros para descobrir se Ana havia liberado aquele selo.

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Daniel olhava atentamente o movimento das nuvens. Seu corpo estava cansado, sua mente implorando para ele acordar daquele pesadelo, mas sua alma pedia mais e mais. O movimento leve e constante das nuvens lhe fazia lembrar de sua vida “normal” antes de conhecer Raziel e os outros. A pouco menos de um ano e meio ele despertou como humano para poder descobrir que sempre foi um anjo. Seus pensamentos giravam em torno de questões comuns para a humanidade que ela mesma não tinha respostas, mas que para os anjos eram cotidianas. Toda a sua compaixão e devoção para com os outros seria algum fragmento de sua vida angelical ou nada mais do que uma parte de seu ser? Daniel não sabia as respostas de suas dúvidas, mas aprendia mais e mais a cada dia. E estava disposto a sacrificar a sua vida na Terra para poder salvar todos aqueles que já viviam nela antes dele chegar aqui.

Os pensamentos de Daniel são cortados pela chegada de Dante. Este olha para o jovem deitado no chão e diz:

- Já terminou o que eu lhe pedi? Conferiu se os corpos ainda estão mortos?

Daniel olha para Dante com certa curiosidade e então responde:

- Terminei. Acredito que todos os mortos deveriam descansar em paz...

Dante olha ao redor e conta todas as cruzes de madeira fincadas no solo. Estavam ali todos os infernalistas que morreram no combate contra o demônio Bavorí. Em seguida ele volta-se para Daniel e pergunta:

- O que você estava pensando?

O jovem olha para o céu novamente e ameaça falar, mas fica quieto. Alguns segundos se passam e então ele começa:

- Não entendo muita coisa recente que me aconteceu. Fico imaginando a diferença entre a humanidade e os seres angelicais. Também penso nos motivos de tudo isso ter que acabar, do Apocalipse e da ausência de outros anjos. Será que estamos sozinhos?

Dante olha para o céu também. Imaginava sua vida se não tivesse pecado tanto, se fosse mais indulgente, se fosse menos conhecedor da verdade. Ele acreditava que talvez estivesse na mesma posição que Daniel se põe, ou se estaria mais confuso e perdido do que ele. Logo responde:

- Não sei o que dizer... Sinceramente, me sinto tão perdido quanto você. Porém, não posso negar que alguma coisa aqui dentro... – Dante bate no peito com uma expressão de dor – Me faz acreditar que não fomos esquecidos, mas sim que ele perdeu a paciência e quer acabar com toda essa porcaria que nós, humanos, nos tornamos.

Daniel olha para Dante frustrado, mas não fala nada. Ele pensa no que o Imortal havia dito e fica se questionando se Deus havia perdido a fé nos seres humanos. Ele não acreditava que Deus havia esquecido seus filhos, mas também não tinha provas para pensar ao contrário. Porém Daniel não se deixaria abalar, não perderia a fé que tinha neles em tão pouco tempo vivendo como um “comum”. Tão logo se levanta em sua convicção, ele diz:

- Eu, por outro lado, não deixei de acreditar. Poderia me ensinar mais? Acredito que não peguei completamente as artes marciais que me ensinou e ainda tenho medo de disparar aquelas armas. Pode me ajudar a melhorar minha pontaria?

Dante sorri com a iniciativa de Daniel e faz um aceno afirmativo com a cabeça. Eles estavam treinando há mais de três dias, desde que Raziel partiu com o resto do pessoal. Daniel aprendera muita coisa rapidamente, pois estava se dedicando completamente ao aprendizado. O Imortal não acreditava na força do jovem de início, mas agora estava confiante nele.

Os dois começam a sair daquele cemitério improvisado. Mas algo estranho chama a atenção de Daniel, que logo olha para o horizonte dizendo:

- Ana Liz...

Dante pára e olha para ele. Leva sua mão ao ombro do jovem e indaga:

- Está tudo bem?

Daniel olha com preocupação para o Imortal e lhe responde:

- Não sei ao certo, mas acho que alguma coisa está acontecendo com Ana Liz. Eu senti a presença dela aqui agora.

Dante sorri, passa a mão pela cabeça dele e então segue dizendo:

- Você está sentindo a presença dela nesta distância? Caraça moleque, você ta ficando bom nessas coisas. Não se preocupe, Raziel está com ela.

Sem questionar Daniel junto a ele.

***

BlackWolf sente seu corpo sendo forçado para trás logo após atacar Ana Liz. A besta olha atentamente buscando respostas e então percebe que aquela mulher segurava suas garras com as próprias mãos. Uma energia luminosa brilhava das inscrições nos braços da caçadora enquanto eu corpo era adornado com toda a energia da Aura Angelical de Raziel, com fagulhas de poder saindo por suas costas fazendo pequenas asas de energia. O corpo dela havia se tonificado momentaneamente devido esse poder “emprestado”, assim Ana segurava as garras da fera sem medo de ter seus braços arrancados. Porém, a força de BlackWolf ainda era demasiada ao ponto de suas garras começarem a abrir feridas nas mãos da caçadora, que tentava empurrá-la para trás. As duas começam a medir força até que dois disparos são feitos e seus respectivos projéteis ferem o corpo da Besta.

Ramon havia desperto da leve perda de consciência que teve quando seu corpo havia chocado contra a porta que Talutah arremessou ao entrar no local. Em suas mãos estavam duas Magnum Reserch que ele sempre guardava no coldre que cruzava suas costas, para situações improvisadas. As balas de calibre .50AE haviam sido revestidas com nitrato de prata e banhadas em água benta, porém contra BlackWolf isso não fazia dos projéteis algo mortal como seria para qualquer outro tipo de ser sobrenatural abraçado pelas trevas. Ele ainda sentia a dor nas costas e nas pernas, mas não se preocupava tanto com isso quanto se preocupava com Ana. Seus olhos observavam atentamente o uso do poder de Raziel por ela, coisa que ainda não havia presenciado desde que entrou no Círculo Oculto.

BlackWolf perde a concentração quando sua pele é ferida por aquelas “moscas”, mas para sua surpresa a caçadora usa de sua falta para empurrá-la para trás fazendo com que a besta cambaleie alguns metros. Neste momento Ana Liz aproveita para esticar dois dedos de sua mão direita e atacar o corpo de Talutah no coração. Nenhum ferimento é feito no ataque, mas logo que desferido este movimento faz com que a fera se enfureça. A caçadora estava fechando o fluxo de energia maligna que alimentava aquele monstro. Assim que Ramon percebe a fúria crescente de BackWolf, ele posiciona as armas e dispara novamente, desta vez contra as pernas da criatura. Talutah sente os projéteis entrando em sua carne, atravessando sua pele que se tornava mais frágil e cai de joelhos. Ana Liz aproveita para desferir o segundo ataque ao próximo ponto de fluxo, ainda com os dois dedos eretos, ela atinge a garganta do ser fazendo com que mais de sua energia se tranque e torne ela ainda menos monstruosa. Porém, um ataque inesperado da besta contra seu abdômen acaba por arrancar-lhe um alto gemido de dor. Os olhos frenéticos dela anunciavam um próximo ataque, mas Ramon decide disparar novamente e desta vez contra os braços dela tomando cuidado para não atingir a companheira caçadora. Os tiros são certeiros e fazem com que BlackWolf cesse os ataques. Ana Liz termina o selamento do Mau com um novo ataque na testa da besta, pronunciando ao mesmo tempo as palavras que finalizam o ritual:

- Eu aprisiono-a novamente no Selo da Carne! ד ¹

BlackWolf começa a retornar em sua transformação e logo o seu corpo começa a perder a aparência hedionda e assumindo novamente aquela mesma beleza indígena que ela carregava anteriormente. Ramon respira fundo, agora mais tranqüilo. Enquanto isso Ana Liz olha para seus braços, atenta as escrituras que neles havia. Pelo seu conhecimento, ela ainda tinha algum tempo antes do selo de ligação se desfazer, porém decidiu por desativá-lo antes mesmo que o tempo se esgotasse. Não sabia ao certo o que o uso prolongado desta técnica angelical poderia causar. Logo seu corpo deixa de receber a bênção da Aura de Raziel. Talutah desperta ofegante e salta do chão perguntando:

- O que aconteceu? Perdi a consciência de novo? Que merda! Raziel disse que me ensinaria a controlar isso...

Talutah olha para seus braços e pernas feridos e franze o cenho. Estava ferida e não se lembrava de como havia adquirido aquelas marcas. Ana e Ramon são surpreendidos por um vulto que surge no aposento e então encontram Raziel com os olhos no canto aos fundos. Ele abaixava-se para pegar algo no chão, na pilha de pó que havia restado do líder dos vampiros. Em suas mãos estava um cilindro de madeira que normalmente era encontrado por aqueles que guardavam seus pergaminhos. Com um sorriso no rosto ele olha para todos e diz:

- Bem, encontramos o que viemos buscar. Que bom que estão todos bem... Vamos para o Hotel para descansar. Acho que vocês precisam de um longo banho!

Ana fica feliz por seu guardião estar aqui. Ramon percebe que já pode abaixar a guarda desde que seu mentor já havia chegado. Talutah se encontrava em um ataque de nervos por não se lembrar de nada que havia feito ou de como se feriu, e mais ainda pelo que Raziel disse. Ela salta sobre ele esbravejando:

- VOCÊ É MALUCO? Onde estava quando precisamos de você? Eu estou perdi a consciência novamente! Nyahhhhhhhhhhhhhh! Arghhhh... Te odeio!

Furiosa e ferida, Talutah segue na direção da saída. Ana Liz ajuda Ramon a se levantar enquanto o Príncipe dos Querubins somente sorri caminhando na direção deles. Mais um dia e mais uma vitória. “Agora todos precisam se encontrar”, pensa Raziel.

¹ ד significa Dalet, letra do Alfabeto Hebraico que corresponde a anulação do “eu”, neste caso da Besta.